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TECNOLOGIA DE LETRAMENTO INSTITUCIONAL PARA A COMPREENSÃO
DO SOFRIMENTO E TRAUMA PSICOSSOCIAL A PARTIR DA INTERSECCIONALIDADE -
UM ESTUDO SOBRE A DESIGUALDADE SOCIAL E SUAS VIOLÊNCIAS
Renata Patricia Penna Matsuoka
SÃO PAULO
2024
1. Problema
Uma das principais características do cenário político mundial atual é a capacidade de manipulação da opinião pública através do discurso neoliberal articulado pelas elites dominantes e difundido pelas mídias de comunicação. Discurso esse, que ao desobrigar o Estado pela criação e manutenção de políticas públicas de bem-estar social, confunde a população por meio da polarização política e da mentira institucionalizada, induzindo a mesma a se identificar com a narrativa elitista do opressor e a se distanciar da própria classe social. Ao adotar a lógica do livre mercado e o discurso meritocrático que responsabiliza o sujeito por seu próprio desenvolvimento, a população passa então a considerar que a problemática está no campo do "excesso" de direitos, passando a cercear também os direitos "do outro" (cota é esmola, tem que acabar com o bolsa família, o SUS não presta, tem que privatizar, etc.), desconsiderando que passa a abrir mão também dos próprios direitos; pois, ao validar a narrativa da classe dominante, acaba por favorecer a lógica opressora que opera a partir dos estigmas e preconceitos que alimentam um ciclo contínuo de violência que serve unicamente aos interesses políticos e econômicos das elites no poder.
Num mundo em que estamos televisionando, em tempo real, cenários de guerra com o genocídio de inúmeras etnias, que utiliza o discurso de ódio e a prática da violência como entretenimento do cotidiano das redes sociais, que coloca partidos claramente fascistas para concorrer em pé de igualdade nas eleições globais e que encontra na discriminação e na intolerância o material necessário para as múltiplas violações dos direitos humanos, é imperativo que tratemos a temática da desigualdade social como assunto de utilidade pública, a fim de conscientizar os sujeitos sobre a importância do enfrentamento às dinâmicas de opressão que mantém as pessoas reféns da pobreza material e intelectual nos dias de hoje.
Considerando a necessidade de conscientizar a população da internalização dessas práticas, essa pesquisa visa, mediante a criação de uma tecnologia de letramento interseccional, viabilizar a reflexão acerca das violações dos direitos humanos e sua relação com o sofrimento e trauma psicossocial a partir do desvelamento da identidade através de 24 marcadores sociais da diferença. O construto tem como proposta pensar a desigualdade social e seus sistemas de hierarquias, destacando suas desigualdades e listando as violências que fomentam esses processos de estigma, preconceito, marginalização e exclusão. A ideia é ampliar o pensamento e instigar a discussão acerca da temática, possibilitando uma visão sistêmica sobre o assunto, a fim de que seja possível, além de conscientizar os sujeitos acerca dos vieses propagados através do senso comum, engajá-los no processo de emancipação e autonomia, como enfrentamento às políticas neoliberais que amplificam as desigualdades e vulnerabilizam a democracia.
2. Hipótese
A hipótese central desta pesquisa é que o letramento interseccional, contextualizado a partir dos dados da desigualdade mundial, assim como das práticas discriminatórias a partir da aferição das leis, pode promover a conscientização e possível identificação de um "lócus" de classe social.
3. Objetivos Gerais
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Desenvolver uma tecnologia de letramento interseccional que possibilite a reflexão acerca das violações dos direitos humanos e sua relação com o sofrimento e trauma psicossocial a partir da aferição das leis.
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Contextualizar as informações contidas na “Roda Interseccional da Identidade”, a fim de produzir a tabela “Dicionário Interseccional da Identidade”, destacando as violências estruturais e suas implicações, assim como uma “linha do tempo” das leis aferidas que sustentem tais discriminações.
4. Objetivos específicos
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Definir os termos que melhor condizem com as classificações sugeridas pelo instrumento “A Roda Interseccional da Identidade”, a partir de revisão bibliográfica, visando reduzir vieses e prováveis induções da ferramenta acima referida.
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Proporcionar uma experiência interativa, que instigue o diálogo e a possível conscientização acerca das hierarquias de opressão que abarcam a temática da desigualdade social a partir do letramento interseccional.
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Realizar, a partir da aplicação dos instrumentos, rodas de conversa para a coleta de dados, a fim de produzir material para os estudos qualitativo e quantitativo do projeto.
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Descrever, a partir das devolutivas apresentadas, dados acerca dos sentidos e significados atribuídos a experiência com o instrumento, a fim de coletar relatos que sustentem as narrativas de sofrimento psicossocial relacionados à desigualdade social.
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Analisar os resultados obtidos para identificar padrões, tendências e possíveis contribuições para o enfrentamento das desigualdades sociais e violações dos direitos humanos, intencionando contribuir para a redução de seus danos.
5. Justificativa
De acordo com o estudo do World Inequality Database (WID) feito pelo Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais), o Brasil é um dos países com maior desigualdade social e de renda no mundo. O relatório feito em 2022 aponta que os 10% mais ricos possuem quase 80% do patrimônio privado do país, já os 50% mais pobres possuem menos que 1% da riqueza global total. O relatório revelou ainda que o crescimento da fortuna dos bilionários aumentou, apenas no ano 2020, US$ 3.7 trilhões durante a pandemia de Covid-19, o equivalente aos orçamentos de saúde do mundo todo.
Um outro estudo de 2021 feito pelo Instituto Cactus, entidade filantrópica e de direitos humanos que atua na promoção da saúde mental, apontou que as desigualdades sociais no Brasil têm impactado diretamente a qualidade da saúde mental da população brasileira, revelando que quanto maior a disparidade de direitos, maior o adoecimento dos sujeitos. O estudo reforça que questões de raça, gênero e sexualidade interferem diretamente no sofrimento psicossocial da população, demonstrando o caráter interseccional da desigualdade. É o que afirma também o relatório “Lucrando com a Dor” da OXFAM, feito em 2022, que aponta a necessidade urgente de taxação das grandes fortunas, assim como a falta de engajamento dos governos mundiais na criação de políticas públicas que apliquem tais medidas para a redução das desigualdades. Todos esses institutos têm como consenso de que é preciso ir além, é preciso educar a população.
Tomando por base esses dados, compreendemos então que a Desigualdade Social já está há muito consolidada como problemática a ser enfrentada nos mais diversos âmbitos do saber, demandando a criação de dispositivos que possibilitem a sua compreensão e enfrentamento. Pensando nisso, consideramos ser imprescindível para a manutenção da democracia e para a redução da desigualdade social que o acesso a informação seja compartilhado e mediado sobremaneira em linguagem acessível para que haja autonomia e engajamento no processo de transformação social que tanto carecemos. Projetar um dispositivo capaz de promover o letramento acerca da temática supracitada torna-se então um desafio e uma necessidade, e para tal, buscaremos nos teóricos da interseccionalidade, como Kimberlé Crenshaw, Patricia Hill Collins, bell hooks, Audre Lorde, Lélia Gonzalez e Carla Akotirene os conceitos que orientam a pesquisa inicial desse trabalho. Para nortear a nossa abordagem em relação a proposta de conscientização em contraposição ao fatalismo, recorreremos as bibliografias de Paulo Freire e Ignácio Martin-Baró para nos guiar numa compreensão mais aprofundada das dimensões que envolvem tais processos, pois:
“O processo de conscientização supõe três aspectos: a. o ser humano transforma-se ao modificar sua realidade. Trata-se, por conseguinte, de um processo dialético, um processo ativo que, pedagogicamente, não pode acontecer através da imposição, mas somente através do diálogo. b. Mediante a gradual decodificação do seu mundo, a pessoa capta os mecanismos que a oprimem e desumanizam, com o que se derruba a consciência que mistifica essa situação como natural e se lhe abre o horizonte para novas possibilidades de ação. Esta consciência crítica ante a realidade circundante e ante os outros traz assim a possibilidade de uma nova práxis que, por sua vez, possibilita novas formas de consciência. c. O novo saber da pessoa sobre sua realidade circundante a leva a um novo saber sobre si mesma e sobre sua identidade social. A pessoa começa a se descobrir em seu domínio sobre a natureza, em sua ação transformadora das coisas, em seu papel ativo nas relações com os demais. Tudo isso lhe permite não só descobrir as raízes do que é, mas também o horizonte do que pode chegar a ser. Assim, a recuperação de sua memória histórica oferece a base para uma determinação mais autônoma do seu futuro.” (Martin-Baró, 1996, p.16)
Considerando que o processo de conscientização promovido pelo construto não apenas busca a autonomia do sujeito, mas também a superação da alienação acerca das dinâmicas de poder e opressão, assim como do sofrimento e trauma psicossocial resultantes das disparidades econômicas e identitárias que nos atravessam, reconhecendo também que a violência é central na produção dessas desigualdades, a abordagem interseccional emerge como uma ferramenta fundamental para fomentar o exercício de alteridade necessário para a promoção destes saberes. O objetivo dessa pesquisa é alinhar-se à necessidade de superar os modelos dicotômicos prevalentes na sociedade atual, reconhecendo a importância de desmantelar práticas racistas, sexistas, classistas e cisheteronormativas, com o propósito de mitigar os danos infligidos pelo colonialismo na intenção de proporcionar uma prática humanística e revolucionária, capaz de proporcionar o letramento acerca da violência estrutural que há muito norteia o pensamento contemporâneo mundial.
6. Método
1ª Instrumento – “Pirâmide da Desigualdade Social”: Essa ferramenta sustenta toda a lógica de pesquisa deste projeto, sendo a representação gráfica dos dados que compõem a desigualdade social mundial, pesquisa do “World Inequality Database” de 2022, reproduzidas em gráfico pelo site “O Iceberg”. Este relatório apresenta os dados referentes a distribuição da riqueza global pelo contingente populacional mundial, divididos em quatro classes sociais, sendo elas: Ricos (1% da população, que detém 38% da riqueza mundial e são representados pela cor azul), Classe Média Alta, ou burgueses (9% da população, que detém 38% da riqueza global e são representados pela cor verde), Pobres (40% da população, que detém 22% da riqueza global e são representados pela cor laranja) e Miseráveis (50% da população, que detém 2% da riqueza global e são representados pela cor vermelha). Para a utilização dos referentes dados nessa pesquisa, modificamos duas características contidas no gráfico: Ricos e Burgueses são representados ambos em tons de azul, a fim de demonstrar que não há distinção no que tange a acessibilidade à privilégios para ambas as classes; e o formato do gráfico passa a ser piramidal, no intuito de reforçar a lógica de hierarquia que o tema determina. Com a aplicação desse instrumento, pretendemos: (a) explicitar o fenômeno: a divisão de recursos praticada no mundo atual. (b) propor a reflexão do sistema de hierarquias suscitado pela Pirâmide da Desigualdade Social.
2º Instrumento: Criada a partir do cruzamento dos dados e da lógica contidos na “Pirâmide da Desigualdade Social” e na “Roda do Poder e Privilégio” (Wheel of Power and Priviledge), do Canadian Concil for Refugees, mais especificamente na versão adaptada por Sylvia Duckworh, a “Roda Interseccional da Identidade” é um construto que embora também proponha o desvelamento da identidade a partir dos marcadores sociais da diferença, vai além, pois ao acrescentar os dados estatísticos da desigualdade social à roda do poder e privilégio possibilita a contextualização das hierarquias de privilégio e opressão que se desdobram a partir da inserção da nomenclatura e classificação dos estigmas e preconceitos que transformam as diversidades em desigualdades, possibilitando desta forma a identificação de um “lócus” social através do reconhecimento dessas inferências nas subjetividades, e consequentemente, a reflexão acerca das dinâmicas que se operam no contexto da desigualdade social. Para a transformação do construto, algumas alterações se fizeram necessárias: O formato circular e a lógica interseccional são originários da “Roda do Poder e Privilégio”, além de parte dos marcadores sociais; já o esquema de cores e classes, passam a ser análogos àqueles apresentados na “Pirâmide da Desigualdade Social” (na versão para esse projeto); porém, ao invés das quatro classes apresentadas no construto original - Ricos, Classe Média alta, Pobres e Marginalizados - passamos a utilizar conceitos equivalentes, no caso: Azul claro para Poder, Controle e Dominação Econômica, Azul médio para Privilégio, Benefício Econômico e Inclusão social, Laranja para Estigma e Preconceito e Vermelho para Marginalização, Invisibilidade e Exclusão. Desta forma, acrescentamos 1 nível de hierarquia e verticalidade à roda e dobramos os números de marcadores sociais, sendo eles: Raça/Etnia, Gênero, Sexualidade, Idade, Aparência, Saúde Física, Saúde Mental, Nutrição, Educação, Linguagem, Ocupação, Classe, Finanças, Moradia, Cidadania, Transporte, Cultura, Lazer, Comunidade, Vida Social, Espiritualidade, Família, Estado Civil e 1 tema livre para que o participante acrescente o que lhe for mais conveniente. Com a aplicação deste instrumento, pretendemos: (a) desvelar a identidade a partir dos marcadores sociais da diferença apresentados e dessa forma, proporcionar o letramento interseccional. (b) promover a reflexão acerca dos privilégios e opressões que sustentam as desigualdades. (c) colher dados acerca do “lócus” social suscitado pelo instrumento e dos sentidos e significados atribuídos a experiência com o mesmo.
3º Instrumento: “Traduzindo a Roda Interseccional da Identidade”: Aplicando a mesma lógica utilizada nos instrumentos anteriores de cor como hierarquia de poder, esta tabela contextualiza a informação imbricada em cada um dos marcadores sociais da diferença apresentados na “Roda Interseccional da Identidade” de forma detalhada para que seja possível compreender as implicações que sustentam e corroboram para a prática da violência como mantenedora das opressões que fomentam as violações dos direitos, elencando os fatos históricos que ancoraram as práticas discriminatórias a partir da aferição das leis. Sendo assim, essa tabela nomeia as violências, as justificativas utilizadas para a sua prática, a forma como se configuram e as suas implicações estruturais. Dessa forma, é possível evidenciar que a desigualdade social está intrinsecamente ligada ao campo dos direitos humanos, ou da negação destes, sendo possível também discutir o sofrimento e o trauma psicossocial e as implicações estruturais e relacionais que derivam dessa estrutura desigual. Com a aplicação desse instrumento, pretendemos: (a) compreender o âmbito das leis no contexto do Estado Mínimo. (b) ampliar a discussão acerca das violências estruturais que derivam desses processos de violação de direitos. (c) discutir o sofrimento e trauma psicossocial suscitado por essas violações.
Os formatos metodológicos utilizados serão tanto quantitativo, quanto qualitativo, projeto-piloto, pesquisa-ação, de caráter descritivo, incluindo as respostas às questões estruturadas coletadas a partir da aplicação dos instrumentos. Para a aplicação do estudo, coleta de informações e posterior análise, o instrumento será apresentado e discutido em formato de roda de conversa, com devolutivas individuais. As unidades de análise serão as folhas de resposta e narrativas apresentadas pelos grupos a definir. Assim como, um levantamento bibliográfico para identificar as abordagens e ferramentas já existentes que possibilitem tais reflexões. É importante ressaltar que as denominações e classificações apresentadas no instrumento “A Roda Interseccional da Identidade” não representam o pensamento da pesquisadora.
Sob uma perspectiva multidisciplinar, esta pesquisa congrega diferentes campos do conhecimento, como a Psicologia, a Sociologia e o Direito; podendo agregar outras áreas para o melhor desenvolvimento do mesmo, na pretensão de criar uma metodologia inovadora, onde o fazer-se pensar e pensar a estrutura em que vivemos sejam contemplados, vislumbrando desenvolver ferramentas que proporcionem experiências interativas para uma prática humanizadora e revolucionária.
Ao referenciar esta pesquisa, cite a fonte, por gentileza.
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